A enchente de 1983 completou 42 anos na segunda-feira, 7 de julho. Naquele ano, a maior enchente já registrada na história de Santa Catarina assolou cidades do Alto Vale do Rio do Peixe como Caçador, Videira e Tangará, deixando um rastro de destruição, dor e solidariedade.
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As chuvas começaram no início de julho e, no dia 7, o nível do Rio do Peixe alcançou seu ponto mais crítico, ultrapassando 10 metros acima do normal em algumas localidades. Com a força da água, casas foram arrastadas, comércios inundados e lavouras completamente destruídas.
Uma tragédia vivida e lembrada
Vilmar Nunes, conhecido como Telê, era funcionário da Perdigão na época. Ele lembra de forma vívida o caos instaurado:
“Começamos a sentir a água nos pés, e, perto do meio-dia, ela já estava no pescoço. Casas inteiras desciam o rio, se chocando contra a ponte. Vi mercadorias boiando, botijões de gás, famílias inteiras desesperadas. A Vila da Turma foi completamente varrida. Dali nasceu o bairro Vila Verde, com barracas militares abrigando os desabrigados.”
Vilmar reuniu fotos históricas tiradas por um amigo fotógrafo e mantém até hoje um álbum com dezenas de registros da enchente em Videira, Tangará, Ibiam e Pinheiro Preto. As imagens documentam o drama vivido pelas comunidades, especialmente no centro de Videira, onde a água chegou a invadir bancos e estádios.
Caçador também ficou debaixo d’água
Em Caçador, o coordenador da Defesa Civil, Sérgio Eloy Bisotto, relembra que tudo começou numa quinta-feira, com sinais de transbordamento do rio. Às 15h, uma forte chuva agravou o cenário.
Voluntário na linha de frente, Bisotto lembra dos resgates:
“Tiramos famílias em cima de mesas, guarda-roupas. Casas inteiras desabaram. A ponte da Avenida Barão do Rio Branco foi atingida por toras de madeira vindas de serrarias. No domingo, retiramos 57 caminhões de entulho da ponte.”
Com a destruição, surgiu a Vila Santa Terezinha, construída com parte da madeira recolhida. A cidade se reconstruiu aos poucos, com apoio de doações vindas de todo o Brasil e até da Alemanha.
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Memórias que seguem vivas
Moradores das três cidades relatam traumas e histórias que ainda emocionam. Entre os relatos, o de uma mulher que perdeu o irmão, eletrocutado ao tentar salvar uma pessoa no rio. Outros contam do medo, da fome, das escolas transformadas em abrigos, da perda total dos bens.
“Eu morava na XV de Novembro e vi casas, animais e móveis descendo o rio. Na ponte, só se ouvia os estalos das estruturas cedendo. Até hoje, nos reunimos e falamos daquilo. É impossível esquecer”, lembra uma moradora.
A enchente também marcou a infância de muitos, que passaram a viver em alojamentos improvisados, dependentes de doações, e depois se mudaram para bairros como a Vila Verde — criada a partir da tragédia.
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Chuvas históricas
Segundo registros oficiais, 135 cidades catarinenses foram atingidas. Foram 32 dias de isolamento em algumas regiões e estado de calamidade pública decretado.
Foram quase 500 milímetros de chuva em três dias, após dois meses de precipitações constantes. Algumas localidades chegaram a registrar em torno de 800 milímetros de chuva, enquanto a média para os meses junho e julho é de 138 milímetros.
Aproximadamente 200 mil pessoas ficaram desabrigadas no três estados do Sul do Brasil. A força da natureza mudou a paisagem das cidades e a vida de milhares de pessoas.
Apesar da destruição material, Santa Catarina não registrou mortes diretamente causadas pelas enchentes naquele ano. No entanto, os danos emocionais e sociais foram profundos.
Legado e lições
Para Bisotto, hoje há mais preparo técnico e estrutura por parte da Defesa Civil e da Prefeitura. Contudo, a ocupação crescente das margens do rio representa um novo desafio:
“Se acontecer algo semelhante hoje, os impactos podem ser ainda maiores. Mas agora sabemos por onde começar.”
A enchente de 1983 deixou cicatrizes profundas, mas também revelou a força de um povo que, mesmo diante do caos, escolheu reconstruir.