Um simples questionamento viralizou nas redes sociais e despertou a curiosidade de milhões de internautas: afinal, existe um verbo específico para o ato de tomar café da manhã? A dúvida foi levantada em um vídeo nas redes sociais e respondida pelo professor de português Murilo Amaral, conhecido como Murilove.
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A explicação chamou atenção e já ultrapassa 1,3 milhão de visualizações. No vídeo, o educador conta que o verbo adequado é “almoçar”, e o motivo tem raízes na história da língua portuguesa.
“Na verdade, o café da manhã tem um verbo, sim, e o verbo dele é ‘almoçar’. (…) O nome das nossas refeições sofreu alteração desde o século 19 até os dias atuais”, disse Murilo Amaral, o Murilove.
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Da literatura à mesa
A confusão não é recente. No clássico “Memórias póstumas de Brás Cubas”, de Machado de Assis, é possível encontrar o trecho:
“— Um Cubas! repetia-me ele na seguinte manhã, ao almoço.”
Na época da publicação, “almoço” era o nome da primeira refeição do dia — o que hoje chamamos de café da manhã. Já o “jantar” era realizado no final da manhã ou início da tarde, e a “merenda” era um pequeno lanche entre a janta e a ceia, que costumava ocorrer no começo da noite.
O professor Daniel Bravo, coordenador de Linguagens do Cubo Global School, confirma a explicação:
“A chave do mistério está na etimologia. A palavra ‘almoço’ tem sua raiz no galego-português almorço, que por sua vez está ligado ao verbo em latim admordēre, cuja tradução literal seria algo como ‘começar a morder’. Essencialmente, o almoço era a ‘primeira mordida do dia’, o nosso atual desjejum. Para quem ainda dúvida, basta olhar para o português falado em Portugal, onde o café da manhã é até hoje chamado de ‘pequeno-almoço’.”
Segundo Bravo, essas mudanças mostram como a língua está sempre em transformação, adaptando-se à cultura e aos costumes de cada época.
O papel do café
Murilo, formado em Letras pela Universidade Federal de Goiás (UFG), explica que o termo “café da manhã” surgiu com a popularização da bebida no Brasil Colônia e ganhou força entre os séculos 19 e 20.
“Tudo isso mudou quando, no final do século 19 e início do século 20, a economia do Brasil era baseada na exportação do café. Então, em vez de almoçar e merendar, tomavam o café da manhã e o café da tarde.”
Com o passar do tempo, o café da manhã passou a ocupar o lugar do antigo almoço, e o almoço moderno tomou o posto do jantar. A merenda foi substituída pelo café da tarde, enquanto a ceia perdeu sua posição tradicional.
Bravo complementa que há outra opção de verbo para o ato de tomar café da manhã:
“Talvez o verbo mais adequado para descrever o café da manhã moderno seja desjejuar (quebrar o jejum), uma palavra pouco frequente, mas que abraça com perfeição a diversidade de nossas manhãs”, diz.
Machado de Assis e o “almoço” matinal
Murilove lembra que o uso do termo “almoço” com o sentido de desjejum é comum nas obras de Machado de Assis.
“Tanto é que se você lê um livro de Machado de Assis e os personagens estão almoçando, na verdade, eles estão tomando o café da manhã. E isso pode causar algum estranhamento para um leitor desavisado, porque parece que as personagens acabaram de acordar, ainda está cedo e elas já estão almoçando”, comenta.
O próprio Machado escreveu um conto que gira em torno da primeira refeição do dia:
“Em ‘Um almoço’, a narrativa ocorre pela manhã e tem como um dos personagens um sujeito que demonstra uma satisfação enorme e uma paz com a natureza por ter almoçado, apesar de ser ainda bem cedo”, declara Daniel Bravo.
Em resumo: o verbo “almoçar” originalmente significava tomar café da manhã, e o termo “café da manhã” só surgiu depois, com o protagonismo da bebida que virou símbolo nacional.