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Deltan Dallagnol: vingança política ou justiça eleitoral?

Confira a análise e opinião do advogado Mathias Neto sobre a polêmica cassação do deputado federal

Fonte:
Mathias Neto - colunista do RBV Notícias

No último mês, a cassação do Deputado Federal  Deltan Dallagnol roubou as manchetes dos principais periódicos do país, e deu início a diversas discussões quanto à legalidade e à motivação da medida, oriunda de decisão unânime proferida pelo Tribunal Superior Eleitoral no dia 16 de maio deste ano.

A celeuma e a polêmica toda que envolvem o caso não são gratuitas, e para que possamos entender exatamente como Deltan partiu de Procurador da República para político cassado precisamos relembrar alguns fatos.

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Deltan Martinazzo Dallagnol, antes de político, foi Procurador do Ministério Público Federal e Coordenador da Força-Tarefa responsável pela “Operação Lava-Jato”, no seio da qual centenas de pessoas consideradas influentes e poderosas no cenário político e econômico do Brasil – e até de outros países – foram levadas ao cárcere por acusações de corrupção, lavagem de dinheiro e participação em organizações criminosas. Nunca antes na história do Brasil – e há quem diga do próprio mundo – tantos figurões intocáveis haviam sido presos por terem, ao menos em tese, metido a mão no dinheiro público.

Em um país em que a corrupção e o “jeitinho” sempre se fizeram bastante presentes na política, e a não responsabilização criminal de pessoas influentes era a regra, Dallagnol e o ex-juiz federal Sérgio Moro, ao passarem a encarcerar sistematicamente pessoas que nunca se pensou ser possível prender, criaram na população a esperança de que o Brasil ainda tinha salvação, e que Deltan e Moro seriam os responsáveis por salvar o Brasil das garras dos corruptos.

Percebendo a popularidade crescente dos dois personagens, alguns políticos contrários ao partido que à época estava à frente do executivo passaram a exaltar os trabalhos realizados pelos dois servidores e a tentar vincular suas imagens às dos novos salvadores da pátria, tendo ganhado especial notoriedade, a partir desse momento, a figura do então Deputado Federal Jair Bolsonaro, que se valendo do ódio gerado no povo pelos escândalos desvendados pela Lava Jato alçou a bandeira do combate à corrupção e do restabelecimento dos valores tradicionais; tendo, 

No curso dos processos da Lava Jato, Sérgio Moro decreta a prisão do ex-Presidente Luiz Inácio Lula da Silva, mais poderoso adversário de Bolsonaro, e profere sua condenação em tempo recorde, mantida pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região de forma igualmente veloz, sacando Lula das eleições e dando a Bolsonaro larga vantagem no pleito para a Presidência. Como era de se esperar, Bolsonaro foi eleito e cumpriu sua promessa, convidando o então Juiz Sérgio Moro para assumir o cargo prometido, tendo Moro renunciado em definitivo à carreira de Juiz e assumido o posto de Ministro do novo Presidente.

O tempo foi passando, as divergências surgindo e Moro acabou por romper com Bolsonaro e renunciar ao cargo de Ministro, abrindo amplo espaço ao ataque, já que odiado pelos Petistas por ter condenado Lula  – segundo eles – sem provas, e agora também odiado pelos Bolsonaristas, já que traiu a confiança de Bolsonaro ao dar uma entrevista coletiva expondo alguns de seus podres no dia de sua renúncia.

Mas quem se enfraqueceu muito também, mesmo dentro do Ministério Público Federal, com a manobra de Moro fora Deltan Dallagnol, desde sempre um ferrenho defensor de Moro. Agora politicamente desabrigado, Deltan passou a ser alvo de uma imensidão de sindicâncias e investigações no Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP) a respeito da forma legalmente questionável por meio da qual coordenou a Força-Tarefa, o que poderia eventualmente culminar na instauração de processos, condenação, demissão do cargo e consequente inelegibilidade para cargos públicos por força da Lei da Ficha Limpa.

Prevendo a catástrofe, Deltan renuncia então ao cargo de Procurador da República – antes de as sindicâncias virarem processos – e se lança candidato ao cargo de Deputado Federal por seu Estado de origem, o Paraná, ocasião em que não apenas é eleito como também obtém a maior votação do Estado para o cargo, posição que ocupou até 16 de maio deste ano, quando foi cassado por unanimidade pelo Tribunal Superior Eleitoral.

Pois bem; resumidamente a história é mais ou menos essa. Mas e o que diz a lei a respeito disso e por que Deltan fora cassado?

A Lei da Ficha Limpa – LC 64/90, alterada pela 135/2010 -, invocada pelo TSE para fundamentar a decisão que cassou Dallagnol, prevê em seu art. 1º, inciso I, alínea q, que “os magistrados e os membros do Ministério Público que forem aposentados compulsoriamente por decisão sancionatória, que tenham perdido o cargo por sentença ou que tenham pedido exoneração ou aposentadoria voluntária na pendência de processo administrativo disciplinar” fiquem inelegíveis para qualquer cargo pelo período de 8 anos.

Ora, mas Deltan Dallagnol, quando se aposentou voluntariamente, estava na pendência de processo administrativo disciplinar? A resposta é não; ou melhor, ainda não.

E eis o ponto central de toda a discussão. Ainda não estava.

Quando se aposentou voluntariamente do cargo de Procurador do Ministério Público Federal, Deltan não ostentava contra si nenhum Processo Administrativo Disciplinar (PAD) propriamente dito, mas já era alvo de ao menos 15 (quinze) sindicâncias, ou procedimentos administrativos de investigação, instaurados junto ao CNMP com a finalidade de apurar preliminarmente possíveis ilícitos praticados por ele, sindicâncias essas que, a julgar pelo posicionamento do Conselho em casos anteriores, muito possivelmente descambariam na instauração de PAD em breve.

E vislumbrando essa possibilidade, como dito antes, Deltan decidiu por agir mais rápido que o Conselho e pedir sua aposentadoria, pensando que, assim, estaria livre dos impedimentos que adviriam da instauração de processo contra si, nos estritos termos da lei. E ele estaria certo, como têm defendido ferrenhamente seus apoiadores nas redes sociais; mas o direito e a justiça não se materializam com a mera interpretação literal do que diz a lei, é necessário se compreender a intenção do legislador com a edição da lei a ser aplicada, bem como o intuito final da pessoa julgada com a conduta que praticou.

Seguindo esses ditames, normais a toda e qualquer bem proferida decisão judicial, o Tribunal Superior Eleitoral constatou que, ao se desligar do Ministério Público antes das mais de 10 sindicâncias que pendiam contra si virarem processo, Deltan teria se valido de uma permissão legal – poder se candidatar por ter se aposentado sem haver processo disciplinar contra si – para atingir um objetivo proibido pela lei – qual seja se candidatar a cargo público ostentando na ficha a prática de irregularidades -, isso porque não é que não havia qualquer possibilidade de haver processo contra Dallagnol, ao contrário, havia 15 sindicâncias em trâmite, e cada uma delas poderia se tornar um PAD diferente contra o então Procurador.

E essa situação que, aos olhos do TSE, configurou o que se denomina no direito fraus legis, ou fraude à lei, caracterizada por uma atitude aparentemente legal com o escopo de, como explicado anteriormente, se burlar a finalidade para a qual o texto legal se destina.

Sendo assim, a cassação do Deputado não foi uma invenção, ou extrapolamento do limite dos poderes do judiciário, como têm defendido os apoiadores de Dallagnol; mas sim a escorreita aplicação da lei após sua interpretação de acordo com o caso concreto sob análise.

É lógico que são raros na breve história da democracia brasileira casos de cassação de mandatos federais por força de decisão judicial, mas daí a dizer que Deltan fora vítima de mera perseguição política é insistir em enxergar a realidade através das às vezes ilusórias lentes da crença política. 

Por Mathias Neto – Advogado, especialista em Direito Penal e Processo Penal, ex-conselheiro penitenciário do Estado do Paraná e ex-membro da Comissão Permanente de Defesa dos Direitos Humanos da OAB/PR.

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