RBVerde

Justiça Climática e o Plano de Adaptação às Mudanças Climáticas sancionado pelo governo brasileiro

Na última quinta-feira, 27, o presidente Lula da Silva sancionou o chamado Plano Nacional de Adaptação às Mudanças Climáticas. Trata-se da Lei 14.904/2024 que, na verdade, estabeleceu diretrizes para a elaboração de planos de adaptação. Esta Lei altera a Lei 12.114/2009, também do governo Lula, que criou o Fundo Nacional sobre Mudança do Clima. A sanção aconteceu depois da aprovação no Congresso Federal no começo de junho e se deu no contexto pós-catástrofe no Rio Grande do Sul, discutida por mim nos últimos artigos para a Coluna RBVerde.

PARTICIPE DO NOSSO GRUPO NO WHATSAPP E RECEBA NOTÍCIAS

Em termos ideacionais, a proposta se mostra promissora. Ela se enquadra como um complemento à Política Nacional sobre Mudança do Clima, também de 2009, e enfatiza que as medidas serão baseadas em cenários e evidências científicas reunidas pelo Painel Intergovernamental sobre Mudança do Clima (IPCC), instituição técnico-científica internacional mais respeitada na área.

Do ponto de vista prático, o objetivo é que estados e municípios definam programas e ações para lidar com os desafios impostos pela mudança do clima. A adaptação climática diz respeito à busca pela redução ou pela limitação de potenciais danos advindos da mudança do clima, ou seja, a ideia é que governos locais estabeleçam suas estratégias e as executem por meio, por exemplo, do acesso ao financiamento do Fundo Nacional sobre Mudança do Clima.

Veja mais notícias sobre Mudanças Climáticas aqui

Entretanto, por mais promissora que a proposta possa parecer, um silêncio a se observar é o da ideia de justiça climática. No texto da nova lei, a única menção ao termo “justo” é para tratar sobre transição energética, mas nada se diz, em específico, sobre como a adaptação impactará as populações mais pobres e vulneráveis, que são, de fato, as mais expostas e principais vítimas da mudança do clima.

Para que visualizemos como a injustiça acontece em termos globais e locais, basta olharmos para dois conjuntos de dados: o primeiro é que o 1% mais rico do mundo poluiu no ano de 2019 na mesma proporção que 2/3 da humanidade, ou seja, 5 bilhões de pessoas. Esse mesmo 1% também foi responsável por 16% das emissões globais de gases poluentes, e isso é feito, por exemplo, por meio do uso de “jatinhos” particulares; o segundo conjunto de dados, que nos traz para o local, é que em cidades como Belém (PA), 67% da população é negra, e dentro desse grupo, 75% vivem em áreas de risco de deslizamento. Ou seja, quanto mais recortamos as desigualdades e injustiças, mais nos deparamos com outros desafios, como o do racismo ambiental.

Veja mais colunas RBVerde

Os impasses da governança climática global e da Conferência de Bonn e sua relação com a posição do Brasil

Um mês desde o início da tragédia climática no RS: como voltar para casa?

No Brasil, há uma série de registros de chuvas intensas, secas e estiagens, ondas de calor ou de frio, vendavais e ciclones e outros impactos climáticos e ambientais. Se sobrepondo a estes problemas estão outros característicos do País, o qual são a insegurança alimentar e hídrica, ou seja, uma situação em que há a ausência de alimentos em quantidade e qualidade nutricionais suficientes, e a ausência do provimento de água suficiente e de qualidade, respectivamente. A nova Lei aborda essas “inseguranças” mas também de forma genérica e sem muita delimitação.

O Plano Nacional de Adaptação às Mudanças Climáticas brasileiro é um passo fundamental para a condução de medidas para lidar com a mudança do clima e seus impactos. O país se soma a outras nações que há algum tempo já desenhavam e colocavam em prática suas propostas. A reflexão a se fazer agora é sobre como a justiça climática irá aparecer nas estratégias locais e como as populações mais vulneráveis serão incorporadas para que, no médio e no longo prazo, tenhamos sucesso não apenas no combate à crise climática, mas também na redução de outras desigualdades históricas do nosso país.

Foto: Victor Nascimento | Colunista RBVerde

Victor Nascimento

Professor de Relações Internacionais e estudioso das mudanças climáticas. Ele assina quinzenalmente a coluna RBVerde.

juniorwenningkamp

Recent Posts

Desmatamento em Santa Catarina cai 39,9% em 2024

Santa Catarina se destacou mais uma vez na redução do desmatamento, de acordo com o…

13 minutos ago

Caminhada marca 18 de Maio em defesa de crianças em Caçador

Centenas de pessoas participaram na sexta-feira da caminhada alusiva ao 18 de Maio, Dia Nacional…

17 minutos ago

Milhares de fiéis participam da 33ª Romaria ao Santuário de Fátima em Fraiburgo

Milhares de fiéis participaram da 33ª Romaria Diocesana ao Santuário Nossa Senhora de Fátima, Mãe…

37 minutos ago

Carlos Kreuz é eleito presidente do MDB de Caçador

O MDB de Caçador realizou neste domingo (18) na Câmara de Vereadores sua convenção partidária…

45 minutos ago

INSS passará a exigir biometria para novos empréstimos consignados

O Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) anunciou uma mudança importante que afeta aposentados e…

52 minutos ago

STF inicia julgamento de Bolsonaro e aliados por tentativa de golpe

O Supremo Tribunal Federal (STF) inicia nesta segunda-feira (19), às 15h, a etapa de depoimentos…

1 hora ago

This website uses cookies.