Nos últimos três artigos para a Coluna RBVerde me detive sobre a tragédia ocorrida no Rio Grande do Sul. Hoje quero dedicar este espaço a uma reflexão sobre o momento atual da governança climática global. Entre os dias 3 e 13 de junho, foi realizada em Bonn, na Alemanha, a 60ª Reunião dos Órgãos Subsidiários da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança Clima (UNFCCC) e do Acordo de Paris, evento que antecede a COP 29 a ser realizada no Azerbaijão em novembro.
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Nesse texto argumento que, enquanto sociedade, devemos estar atentos aos impasses nas negociações entre os Estados-Parte da Convenção, pois eles dizem respeito diretamente à capacidade de países como o Brasil de se adaptar e, quem sabe, mitigar tragédias como a do Rio Grande do Sul.
Vivemos em um momento muito sensível para o debate climático. No ano passado, na COP 28 sediada em Dubai, ocorreu o “balanço global” sobre o Acordo de Paris estabelecido em 2015. O objetivo desse balanço foi identificar como está o cumprimento das metas estabelecidas pelos países a partir de suas Contribuições Nacionalmente Determinadas (NDCs), documentos entregues por cada Estado-Parte onde apresentam suas metas de redução de emissões de Gases de Efeito Estufa (GEE) e estratégias para alcançá-las. O resultado foi a identificação de lacunas para a implementação do Acordo de Paris e para o alcance da meta global que é de manter o aumento da temperatura em até 1.5º C em relação aos níveis pré-industriais.
A conjuntura global se mostra ainda mais delicada devido à crise do multilateralismo. Embora vivamos em um mundo interdependente e permeado por canais de comunicação, os últimos anos têm sido marcados por uma menor disposição de muitas nações para a cooperação. Isso foi visto, por exemplo, com os desafios de coordenação política entre os países durante a pandemia de COVID-19.
Na arena climática isso não é diferente, uma vez que os compromissos nacionais dependem da cooperação de todos e conflitos geopolíticos como a guerra entre a Rússia e a Ucrânia, e a guerra entre Israel e o Hammas têm dificultado muito o diálogo.
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Além do balanço global, a agenda de discussões em Bonn teve outros focos que também interessam muito ao Brasil. Um deles é a questão da adaptação, ou seja, a capacidade dos países se adaptarem para lidar com os impactos da mudança do clima. Os entraves nesta seara são de cunho técnico, mas o resultado foi o reconhecimento de quem sem financiamento não será possível, sobretudo para os países em desenvolvimento e países pobres, implementar as estratégias acordadas.
Em relação ao financiamento, muito se discutiu sobre a Nova Meta Coletiva Quantificada de Financiamento Climático (NCQG), um novo parâmetro técnico ainda em debate que, no final da linha, implica necessariamente em uma mudança de postura por parte dos países desenvolvidos e grandes emissores.
Organizações Não Governamentais (ONGs) como a Climate Action Network (CAN) afirmam que as negociações de Bonn seguem refletindo uma luta de décadas para que os países ricos cumpram suas obrigações e ajudem os demais países com suas metas. Já a brasileira Observatório do Clima enfatizou que a janela de oportunidade para a ação está se fechando, e isso coloca uma pressão adicional sobre a vindoura presidência do Brasil na COP 30 a se realizar no ano que vem em Belém-PA.
Em resumo, o saldo das negociações nesse momento segue sendo o de entraves em critérios técnicos e de financiamento para a ação climática. Por mais distantes que conferências e reuniões internacionais possam parecer, na prática elas têm tudo a ver com nossas vidas cotidianas, já que financiamento para países como o Brasil se adaptarem pode implicar em políticas públicas específicas para regiões vulneráveis como a do Rio Grande do Sul.
Insisto no nosso papel enquanto sociedade, e reforço que se faz cada vez mais necessário um alinhamento na postura e nos compromissos de todas as esferas do poder público com o debate climático internacional para que o Brasil assuma liderança nesse âmbito, e que isso se traduza em bens públicos para toda a sociedade.
Victor Nascimento
Professor de Relações Internacionais e estudioso das mudanças climáticas. Ele assina quinzenalmente a coluna RBVerde.