Teve início no dia 27 de abril deste ano a maior tragédia ambiental já enfrentada pelo estado do Rio Grande do Sul. Ainda naquele dia, as chuvas causaram alagamentos em diversos pontos da capital Porto Alegre, e, desde então, seguiram incessantemente sobre diversas cidades do estado.
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De acordo com a Defesa Civil, até o último domingo (02), 171 pessoas perderam suas vidas, 43 seguem desaparecidas e mais de 617 mil continuam fora de casa. Embora diversas cidades ainda estejam alagadas, muitas pessoas começam a voltar para suas casas, dando início a um novo momento no pós-tragédia.
A cota de inundação do rio Guaíba é de 3,60 metros. No dia 06 de maio o nível chegou ao pico com 5,33 metros e, nos dias seguintes, oscilou até descer para 3,49. Porém, no dia 03 de junho, o nível voltou a subir para 3,79, dado que nos mostra que o desafio para o povo gaúcho ainda não chegou ao fim.
Ainda que algumas pessoas tenham começado a voltar para casa, sendo que nem todas as encontram em condições mínimas de habitação, fato é que o momento pós-tragédia reúne uma conjugação de desafios, pois ainda há a busca por desaparecidos, o risco de novas enchentes, a necessidade da limpeza de casas e ruas, e as incertezas sobre como se dará a reconstrução do estado.
Na última sexta (31/04), várias cidades brasileiras foram palco da Marcha Global pelo Clima. Em Porto Alegre, uma grande passeata tomou as ruas liderada pela Organização Não-Governamental (ONG) Eco Pelo Clima, cuja atuação já descrevi na última coluna RBVerde e que pode ser acessado aqui. A entidade demanda que o governo gaúcho decrete “Emergência Climática”, ação que é solicitada pela ONG desde 2020 e que, caso adotada, indicaria o reconhecimento do governo do estado da gravidade da crise e da contribuição humana, e, na prática, seria um caminho para a proposição de políticas públicas direcionadas ao combate à mudança do clima.
Em entrevista no programa Roda Viva da TV Cultura no dia 20 de maio, o governador do Rio Grande do Sul, Eduardo Leite (PSDB), foi questionado sobre sua atuação diante da crise, passando pela flexibilização de normas ambientais desde o início de seu mandato, e chegando ao momento atual e à algumas declarações polêmicas relacionadas, por exemplo, ao envio de ajuda por parte do restante do país.
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Destaco duas coisas que ficaram claras na entrevista: a primeira é a da prevalência dos interesses econômicos sobre a questão ambiental. Historicamente, o meio ambiente é visto como um recurso para o desenvolvimento das sociedades e, na fala do governador fica evidente como a proteção ambiental é restringida a um marcador do modelo neoliberal de desenvolvimento, ou seja, a uma proteção dentro do que prevê a legislação, sem que se questione se ela é de fato adequada.
A outra coisa que destaco é a incerteza acerca de como irá se dar a reconstrução do estado, ponto que se relaciona diretamente com a vida da população no curtíssimo prazo. No dia 03 de junho foram publicadas no Diário Oficial do Estado do Rio Grande do Sul a criação da Secretaria da Reconstrução Gaúcha e a sanção do Programa de Reconstrução, Adaptação e Resiliência Climática do Rio Grande do Sul. No entanto, ainda na entrevista, ficou claro o estresse entre o governo do estado e o governo Federal devido à criação da Secretaria Extraordinária de Apoio à Reconstrução do Rio Grande do Sul no âmbito da União.
Diante do que expus, a questão “como voltar para casa?” se faz ainda mais relevante. Não se trata apenas de retornar, limpar, descartar o que não puder mais ser usado e comprar o que tiver de ser reposto. Em menos de um ano o Rio Grande do Sul passou por alguns eventos climáticos extremos e, tal qual o para outras regiões climaticamente vulneráveis do restante do país, não se pode descartar a ocorrência de novos episódios.
O pedido por “Emergência Climática” dos ambientalistas, a urgência das pessoas pelo retorno as suas vidas e as políticas públicas do governo Federal, Estadual e Municipal precisam se somar para que se construa a resiliência climática que os gaúchos tanto precisam.
Victor Nascimento
Professor de Relações Internacionais e estudioso das mudanças climáticas. Ele assina quinzenalmente a coluna RBVerde.