Rádios RBV

Menu

Mandato único e o risco das reformas parciais no ordenamento político brasileiro

Caleb Bentes Dias analisa os impactos de uma possível mudança no processo eleitoral brasileiro

A recente aprovação, na Comissão de Constituição e Justiça do Senado, da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que propõe o fim da reeleição para os cargos do Poder Executivo, presidente da República, governadores e prefeitos, e a instituição de um mandato único de cinco anos, reabre uma discussão recorrente sobre os ciclos de poder no Brasil. Embora a proposta, em tese, contenha méritos conceituais, ela carrega consigo um vício comum no processo legislativo brasileiro, o das reformas parciais, descoladas da lógica sistêmica do ordenamento político, cujos efeitos concretos tendem mais à desorganização do que à estabilidade.

PARTICIPE DO NOSSO GRUPO NO WHATSAPP E RECEBA NOTÍCIAS

O ordenamento político brasileiro, entendido como o conjunto de normas constitucionais, instituições, práticas de governabilidade, é um sistema de interdependência. Toda tentativa de reforma que desconsidera esse entrelaçamento corre o risco de produzir efeitos colaterais negativos. A adoção de um mandato único, isoladamente, sem reforma do sistema partidário e dos mecanismos de governabilidade, por exemplo, não encontra base de sustentação institucional.

Em um presidencialismo de coalizão com forte fragmentação partidária, grande necessidade de articulação e baixa responsabilização, o tempo político se torna um ativo escasso e essencial. Reduzir esse tempo, sem reestruturar o jogo, é um erro de organização institucional. Historicamente, o Brasil já operou sob o regime de mandato único de cinco anos.

A Constituição de 1988 instituiu essa configuração, vigente até 1997. Foi naquele ano, sob o governo de Fernando Henrique Cardoso, que o país aprovou a Emenda Constitucional nº 16, permitindo a reeleição para os cargos do Executivo. A mudança não foi acidental nem desinteressada: visava garantir previsibilidade política e continuidade administrativa, sobretudo em um contexto de consolidação da estabilidade econômica na implantação do Plano Real.

A experiência anterior mostrava que um único mandato era insuficiente para a maturação de políticas públicas consistentes e criava estímulos perversos, como o populismo fiscal e o uso eleitoreiro da máquina nos anos finais de governo. Retomar hoje o modelo de mandato único, sem alterar as demais peças do sistema, representa um retorno desestruturado a um passado que já demonstrou suas limitações.

O Executivo eleito sob a regra do mandato único terá, desde o primeiro dia, um incentivo natural à política de curtíssimo prazo. A ausência de expectativa de reeleição reduz o compromisso com políticas de médio e longo prazo e amplia o foco na visibilidade imediata, na autopromoção e na gestão simbólica. Em termos de racionalidade política, substitui-se o projeto de Estado pelo espetáculo de governo.

Do ponto de vista procedimental, é importante destacar que a proposta ainda se encontra em estágio preliminar. A aprovação na CCJ do Senado representa apenas a primeira etapa. A PEC ainda precisa ser votada em dois turnos no plenário do Senado e, posteriormente, também em dois turnos na Câmara dos Deputados. Mesmo que venha a ser aprovada, seus efeitos não seriam imediatos. A medida não impactaria as eleições de 2026, produzindo efeitos apenas a partir de 2028.

Mais relevante do que a discussão sobre a reeleição em si é o padrão institucional que essa proposta revela. A persistência de uma cultura política que evita diagnósticos estruturais e prefere operar por meio de correções tópicas, fragmentadas, frequentemente populistas no discurso e inconsequentes na prática. Em vez de reformas amplas, articuladas e coerentes, o país opta por modificações pontuais que criam assimetrias e distorções.

O resultado é um ordenamento cada vez mais instável, funcionalmente incoerente e politicamente dissonante. No limite, essa proposta explicita uma crise mais profunda, a falta de confiança na política brasileira. A velha política, identificada com os vícios do clientelismo, do fisiologismo e da perpetuação de interesses oligárquicos, perdeu sua legitimidade social.

Contudo, a chamada nova política ainda não conseguiu se consolidar como alternativa concreta, carece de forma, método, projeto e densidade institucional. O resultado é um vácuo representativo. Essa PEC é, nesse sentido, uma tentativa institucional de responder ao descrédito popular. Representa menos uma convicção reformista e mais uma reação ao esgotamento da confiança social nas estruturas vigentes. Contudo, não resolve o problema. Apenas desloca o foco e simula ação. É o sintoma de um sistema que evita se reformar, mas precisa parecer que está se reformando.

Caleb Bentes Dias | Cientista Político
Foto: Reprodução

Caleb Bentes Dias Cientista Político

Nossas Redes Sociais

YouTube

Facebook

Instagram

Fonte:
Caleb Bente Dias | Cientista Político

Participe do grupo no Whatsapp do Portal RBV e receba as principais notícias da nossa região.

*Ao entrar você está ciente e de acordo com todos os termos de uso e privacidade do WhatsApp

Últimas Notícias

Adultização infantil: Promotor William Valer, da comarca de Videra, alerta sobre o tema

A presença crescente de crianças nas redes sociais preocupa...

Famílias que pagam aluguel aumentam 25% em 8 anos

O número de famílias brasileiras que vivem de aluguel...

Programas da Prefeitura de Rio das Antas

Confira abaixo os Programas da Prefeitura de Rio das...

Programas da Prefeitura de Videira

Confira abaixo os Programas da Prefeitura de Videira que...

Programas da Câmara de Vereadores de Ibiam

Confira abaixo os Programas da Câmara de Vereadores de...

Mais Lidas da semana

Previsão do Tempo: Santa Catarina segue com temperaturas em elevação

A previsão do tempo para Santa Catarina nesta sexta-feira...

Corpo encontrado no Rio do Peixe em Tangará é identificado

O corpo localizado, no sábado (16), nas águas do...

Ventos de mais de 100 km/h devem atingir SC a partir de terça

A formação de um ciclone extratropical no Oceano Pacífico,...

Identificado corpo encontrado no Rio do Peixe em Videira

Foi identificado como Ronmy José Rondón, 26 anos, o...

Celesc terá reajuste de 13,53% na conta de luz a partir de 22 de agosto

A Agência Nacional de Energia Elétrica (ANEEL) oficializou, na...

Outros Tópicos Interessantes