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Especialista alerta que Brasil pode perder 3,2 milhões em vagas de empregos

Kleber Fontes diz que a medida tarifária do EUA é grave e pode provocar um efeito em cadeia com consequências drásticas para a economia brasileira

Fonte:
Juciele Baldissarelli | Portal RBV

A recente decisão do governo dos Estados Unidos de aplicar uma tarifa de 50% sobre produtos importados do Brasil causou forte repercussão entre empresários, especialistas e autoridades do setor industrial.

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Para o especialista em comércio exterior Kleber Fontes, do Grupo Casco, professor e autor de livros sobre o tema, a medida é grave e pode provocar um efeito em cadeia com consequências drásticas para a economia brasileira, especialmente nas regiões que dependem diretamente da exportação para o mercado norte-americano.

Fontes lembra que a postura protecionista do governo Trump não é nova. Desde a sua primeira eleição, o ex-presidente adotou medidas voltadas à contenção de importações com o objetivo de fortalecer a arrecadação interna e reduzir a dependência de parceiros comerciais.

Segundo ele, as primeiras ações miraram países vizinhos como Canadá e México, sob argumentos diversos, como o combate ao tráfico de drogas. No entanto, o pano de fundo sempre esteve ligado à busca por equilíbrio fiscal. Posteriormente, veio a famosa guerra comercial com a China.

Para o especialista, foi justamente neste momento que o Brasil perdeu a chance de adotar uma postura mais estratégica e antecipar movimentos, já que os Estados Unidos, à época, passaram a revisar suas relações comerciais com diversos países.

Com o agravamento das tensões entre China e EUA, Fontes avalia que o Brasil deveria ter se articulado com mais firmeza por meio de seus diplomatas, cônsules e da própria embaixada em Washington.

Afinal, os Estados Unidos são o segundo maior parceiro comercial do Brasil, com uma média anual de exportações que supera os 90 bilhões de dólares, o que representa cerca de 12% das exportações brasileiras e de 3% a 4% do Produto Interno Bruto (PIB) nacional.

“Trata-se de um parceiro estratégico, com alto impacto em nossa balança comercial e na geração de empregos. A ausência de diálogo consistente neste contexto revela uma postura reativa, que infelizmente tem sido recorrente nas relações internacionais brasileiras”, afirmou.

O especialista critica também a atenção dada pelo governo brasileiro ao bloco dos BRICS nos últimos anos, que segundo ele, não representa um bloco econômico efetivo nos moldes do Mercosul.

“Os países do BRICS não oferecem isenção tarifária. O único instrumento relevante do bloco é o banco de fomento. Não se trata de um acordo comercial vantajoso em termos de exportação e importação. O Brasil já tem relação consolidada com os membros do bloco. A aposta excessiva no BRICS foi um erro estratégico, pois, ao mesmo tempo, deixou-se em segundo plano uma relação bilateral sólida e de mais de 200 anos com os EUA”, destacou.

Ao aplicar a tarifa de 50% especificamente ao Brasil, Trump sinaliza, segundo Fontes, um movimento político direcionado, já que outros países estão conseguindo negociar taxas bem menores.

Enquanto a Índia trata de uma alíquota inferior a 20%, e a Argentina discute isenções de até 80% de sua pauta exportadora, o Brasil ficou exposto a uma taxação inédita. Fontes aponta que, do ponto de vista da balança comercial, os EUA não têm motivo econômico direto para agir desta forma. A relação entre os dois países mostra superávit para os americanos.

“Não é uma questão de balança. É uma questão política, o que torna o cenário ainda mais imprevisível. E o mais preocupante é o vácuo diplomático e a ausência de lideranças brasileiras engajadas nessa negociação”.

A consequência prática disso já está sendo sentida em território nacional. Indústrias brasileiras começaram a conceder férias coletivas e suspender pedidos de produção, especialmente no interior do Paraná. Empresas exportadoras, que tinham contratos de longo prazo com importadores norte-americanos, já receberam cancelamentos.

Isso porque, segundo Fontes, grande parte das compras dos EUA é feita sem garantias como carta de crédito, com base apenas em acordos contratuais. Sem previsibilidade e diante da nova taxação, os importadores estão recuando. Essa paralisação de contratos compromete toda a cadeia produtiva.

“Indústrias brasileiras fazem seus cronogramas com base em contratos de até dois anos. Matérias-primas já foram compradas, estoques estão prontos. Cancelamentos não afetam apenas o faturamento imediato, mas desorganizam toda a operação de médio prazo, impactando diretamente o emprego, a receita tributária e a atividade econômica regional”.

A hipótese de redirecionar os produtos brasileiros a outros mercados também não é simples. Os Estados Unidos ainda são a maior potência econômica do mundo, e poucos países têm capacidade de absorção similar.

Além disso, países que poderiam receber parte dessa produção já contam com fornecedores regulares. Para ingressar nesses mercados, o exportador brasileiro precisaria adaptar produtos, rever embalagens, desenvolver logística, abrir canais comerciais e passar por processos regulatórios, o que pode levar de um a dois anos.

“O Brasil não é competitivo globalmente em muitos setores. Redirecionar exige baixar preços e margens de lucro. E enquanto as commodities podem ser redirecionadas com maior facilidade, os produtos com valor agregado – que são a base das exportações para os EUA – enfrentam maiores obstáculos”.

Fontes cita o exemplo de uma indústria de fundição localizada no norte de Santa Catarina que exporta mensalmente 600 contêineres, sendo metade apenas para os Estados Unidos. Produtos como blocos de motor, com alto valor agregado, dificilmente encontrarão novo mercado com a mesma escala de consumo.

E essa realidade se repete em diversos polos industriais do Brasil. Ele lembra ainda que a China, principal comprador de commodities brasileiras, adquire basicamente matéria-prima, enquanto os EUA compram produtos com maior retorno financeiro e capacidade de geração de renda e empregos.

Questionado sobre o que deve ser feito a partir de agora, Fontes defende duas frentes de ação. A primeira, e mais urgente, é a pressão direta das indústrias sobre o governo federal, por meio de suas lideranças e entidades de classe, para evitar qualquer retaliação ao governo americano e buscar uma saída diplomática imediata.

“Não temos força econômica para um enfrentamento. Seria como um mico tentando brigar com um gorila. Precisamos agir com estratégia e velocidade”.

A segunda frente envolve ações internas nas próprias empresas. Ele sugere que os empresários façam um diagnóstico completo de seus estoques, contratos vigentes, margens operacionais e verifiquem se estão aproveitando todos os benefícios fiscais disponíveis. Como exemplo, cita o regime aduaneiro especial de drawback, ainda pouco utilizado pelas empresas brasileiras.

“Apenas 30% das empresas usam o drawback, que pode reduzir custos e aumentar a competitividade internacional. Diante de uma pressão dos compradores americanos para baixar preços – o que certamente ocorrerá –, isso pode fazer a diferença para manter contratos e volume de exportação”.

Fontes também sugere uma possibilidade alternativa de exportação indireta, via México ou Canadá, países que possuem acordos mais favoráveis com os Estados Unidos. Isso permitiria a industrialização parcial no Brasil e o acabamento em território desses países, facilitando a entrada no mercado americano com menor taxação. Embora complexa, essa medida pode funcionar em setores específicos com maior capacidade de adaptação logística.

A pesquisa recente da Câmara de Comércio Brasil-Estados Unidos (AMCHAM) estimou que o impacto da tarifa de 50% pode alcançar 10 mil empresas impactando no Brasil, em 3,2 milhões de empregos, considerando diretos e indiretos.

Embora Fontes admita que o número pode estar superestimado para gerar comoção, ele acredita que o impacto real será próximo disso. “Eu conheço a realidade das indústrias do interior. Municípios inteiros vivem da exportação para os Estados Unidos. Basta analisar as regiões de Curitiba, Maringá, Londrina, Ponta Grossa, para entender o peso desse parceiro comercial. Sem os EUA, muitos empreendimentos não têm para onde escoar sua produção”.

Sobre o cenário específico de Santa Catarina, especialmente do meio-oeste e Caçador, onde a economia está fortemente ligada à exportação de madeira e seus derivados, Fontes afirma que há caminhos, mas nenhum deles é simples ou imediato.

“Compensados ainda podem encontrar mercados alternativos, como a Escandinávia ou Europa, mas os produtos acabados de madeira, muito utilizados na construção americana, são mais difíceis de redirecionar. A cultura construtiva dos EUA está baseada nesse tipo de insumo vindo do Brasil. Perder esse mercado seria catastrófico para empresas consolidadas na região”.

Para esses empresários, a recomendação é atuar em duas frentes: ampliar proativamente canais de venda para países com alto poder aquisitivo e, ao mesmo tempo, manter diálogo constante com compradores norte-americanos para entender suas expectativas.

“Se a tarifa baixar para 20%, por exemplo, ainda será alta, mas o importador americano pode negociar uma compensação no preço com o fornecedor de Caçador, em vez de mudar totalmente de fornecedor. Nesses momentos, o relacionamento conta muito”.

Fontes conclui a entrevista com uma observação crítica e preocupada. “Estamos diante de uma situação extremamente séria, que exige articulação política madura e decisões técnicas rápidas. Não é momento para vaidades ideológicas. A diplomacia econômica deve prevalecer. Porque, no fim, quem sofre é o trabalhador brasileiro, é o pequeno município industrial, é a base da economia real”.

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