Uma descoberta surpreendente ocorreu no interior do Rio Grande do Sul, onde o que parecia ser um simples caso de um animal atropelado revelou algo raro e inédito para a ciência. Em 2021, moradores encontraram um animal que lembrava um cachorro, ferido após um atropelamento, e o levaram para um centro de reabilitação. No entanto, ninguém sabia que aquele ser não era um cão comum.
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Com orelhas longas e pontiagudas, comportamento arisco e um hábito peculiar de caçar pequenos roedores, os veterinários perceberam que havia algo incomum.
Apesar de latir como um cachorro, a fêmea subia em arbustos da mesma forma que a raposa-dos-pampas, o que chamou a atenção dos especialistas.
Diante dessas características contraditórias, os pesquisadores decidiram aprofundar a investigação, entrando em um verdadeiro mistério evolutivo.
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O animal híbrido: o primeiro do mundo
Após rigorosos estudos, os cientistas confirmaram que o animal era o primeiro híbrido viável entre um cão doméstico e uma raposa-dos-pampas (Lycalopex gymnocercus).
Batizado como “Dogxim” ou “Graxorra”, nome que combina “dog” (cachorro) e “graxaim-do-campo” (raposa-dos-pampas), o animal ganhou destaque na comunidade científica mundial.
Apesar da descoberta ter ocorrido em 2021, somente em 2023 foi publicado um estudo detalhado por pesquisadores da UFRGS e UFPel.
O biólogo norte-americano Roland Kays comentou no X (antigo Twitter): “Que estranha fera híbrida!”. Ele ressaltou a distância evolutiva entre cães e raposas, pertencentes a gêneros distintos, Canis e Lycalopex, separados por aproximadamente 6,7 milhões de anos.
Já o geneticista Loren Rieseberg explicou a raridade: “É como se humanos produzissem um híbrido viável com chimpanzés.”

Análise genética comprova a origem do dogxim
Para confirmar a hibridização, os geneticistas Thales Renato Ochotorena de Freitas e Rafael Kretschmer examinaram o DNA e o número de cromossomos do animal. Cães domésticos têm 78 cromossomos e raposas-dos-pampas, 74. O Dogxim apresentou 76, número intermediário que indicava a mistura genética. O DNA mitocondrial revelou que a mãe era raposa-dos-pampas, enquanto o DNA nuclear mostrou uma combinação das duas espécies.
Kretschmer afirmou: “Essa foi a primeira evidência concreta de hibridização entre essas duas espécies.” Durante seis meses de análises, Dogxim recuperou-se dos ferimentos e foi transferida para o Mantenedouro São Braz, reserva estadual para reabilitação de animais silvestres.
Como ocorreram o cruzamento e o surgimento do dogxim?
Os pesquisadores associam o surgimento do Dogxim às mudanças ambientais nas planícies do sul do Brasil. O avanço do agronegócio, a expansão urbana e o desmatamento reduziram o habitat natural das raposas-dos-pampas, aproximando-as de cães domésticos e, assim, criando raras chances de cruzamento.
A bióloga Bruna Szynwelski, coautora do estudo, destaca que o abandono de cães em áreas rurais é um problema grave:
“Mesmo sendo crime, ainda é comum no Brasil. Muitos cães domésticos e de caça são deixados em áreas rurais, onde passam a circular livremente e interagir com animais silvestres.”
Essas interações, embora incomuns, podem resultar em híbridos, especialmente quando há escassez de parceiros da mesma espécie.

Um aviso sobre as mudanças ambientais
A descoberta do Dogxim é fascinante, mas também traz um alerta importante. Ela evidencia o impacto da ação humana nos ecossistemas e como as mudanças climáticas alteram o comportamento e reprodução dos animais.
Rieseberg comenta: “Estamos vendo espécies forçadas a se adaptar a ambientes em constante transformação. A hibridização, que antes era rara, pode se tornar mais comum como resposta evolutiva.”
Mesmo assim, os cientistas acreditam que híbridos como Dogxim continuarão raros. Kays ressalta que as diferenças genéticas profundas tornam improvável a ocorrência de muitos cruzamentos, pois “é mais provável que certos genes simplesmente não funcionem juntos.”
O destino do dogxim
Dogxim passou boa parte de sua recuperação saudável, mas infelizmente morreu em 2023 antes da conclusão do estudo. A causa da morte não foi divulgada. Os pesquisadores só souberam do falecimento meses depois, ao solicitarem mais imagens para a publicação científica.
Kretschmer conclui: “Ela era única, mas também um lembrete de que nossas ações no meio ambiente estão criando novas formas de vida, algumas que talvez não estivéssemos preparados para ver.”
