A tragédia climática que ainda assola o Rio Grande do Sul teve início ainda no final de abril. Até o último domingo (19), mais de 540 mil pessoas estavam fora de casa, 115 foram mortas e 89 permaneciam desaparecidas.
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Trata-se da maior catástrofe ambiental já vivida pelo estado gaúcho e, para além do impacto direto causado pelas chuvas e pelas enchentes, inicia-se agora um novo momento que é o de pós-desastre, onde as pessoas que podem começam a retornar para suas casas, enquanto outras seguem à espera do poder público para que possam seguir com suas vidas.
Em meio às diversas notícias e reportagens sobre o que se passa na região, algumas lideranças ambientalistas tiveram suas vozes impulsionadas pela imprensa nas últimas semanas. Esse é o caso do movimento Eco Pelo Clima, uma célula do sueco Fridays For Future com sede no Rio Grande do Sul, que nasceu em Pelotas pouco antes da pandemia de Covid-19 e, desde então, vem atuando para conscientizar governantes e a sociedade em relação à crise climática que vivemos. O grupo já promoveu uma série de protestos e suas lideranças, dentre elas a fundadora Renata Padilha, também estiveram em importantes eventos internacionais, como a COP 28 em Dubai, no final de 2023.
Também no final daquele ano em que a região Sul do Brasil já havia sofrido com desastres ambientais, houve uma homenagem ao Eco Pelo Clima prestada pela Câmara Municipal de Porto Alegre. Na ocasião, destacou-se a importância da juventude na mobilização contra a superexploração de recursos naturais, o negacionismo e a queima de combustíveis fósseis.
Passado menos de um ano desta homenagem, a ativista Renata Padilha foi uma das pessoas atingidas pela tragédia e, em suas redes sociais, tem publicado uma série de vídeos compartilhando o que tem visto em seu entorno.
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Ainda na COP do ano passado, pude entrevistar Renata para a pesquisa de minha tese de doutorado e, na ocasião, ela me alertou para a força dos interesses econômicos, políticos e da indústria pecuarista na região, e sobre como é difícil para o movimento avançar com suas pautas. Uma importante estratégia tem sido a presença por meio de uma frente parlamentar, porém, até então, a questão não havia avançado para além de palavras e discursos.
Em uma entrevista em 10 de maio, ainda no auge das chuvas e das enchentes, outra ativista do grupo, Amália Garcez, disse que não se trata de uma tragédia inimaginável, já que há anos cientistas e ativistas têm alertado para as consequências que fortes chuvas e enchentes causariam na região. Amália reforçou ainda as investidas do grupo junto aos poderes executivos e legislativos da cidade de Porto Alegre e do estado do Rio Grande do Sul, e a dificuldade do reconhecimento de seus alertas e da necessidade de que o poder público reconheça que vivemos uma emergência climática.
Para que se tenha uma ideia da importância da ciência em casos como este, ainda em 2014 foi publicado o relatório Brasil 2040 que tinha por objetivo pensar medidas para a adaptação à mudança do clima em nível nacional.
O documento fazia menção ao aumento das chuvas em cerca de 15% no extremo Sul do país e à possibilidade do aumento da frequência de eventos de inundações e cheias. Na contramão das previsões, desde o início de seu mandato em 2019, o governador Eduardo Leite (PSDB) alterou 480 normas ambientais que, de acordo com especialistas, enfraqueceram a legislação ambiental do estado.
Uma frase que voltou a circular na internet nas últimas semanas resume bem o momento atual: “no começo de todo filme de tragédia, sempre há cientistas sendo ignorados”. Nesse caso, há também ativistas ambientalistas que há anos reúnem esforços para alertar o poder público sobre a necessidade de adoção de medidas de combate à mudança do clima.
Mesmo assim, a tragédia no Rio Grande do Sul tem sido também um exemplo de união e força dos brasileiros. São milhares de iniciativas de ajuda, caminhões com mantimentos, roupas e medicamentos que vêm de doações de todo o Brasil.
Se somos capazes de nos mobilizar de tal forma quando algo dessa magnitude acontece, o desafio que se coloca é o de usarmos essa mesma força para colocar a emergência climática no centro do debate e, junto à sociedade civil, aos cientistas e ao poder público, tomarmos de vez o caminho rumo a um futuro sustentável para a nossa geração e para as vindouras.
Victor Nascimento
Professor de Relações Internacionais e estudioso das mudanças climáticas. Ele assina quinzenalmente a coluna RBVerde.